Sobre o verdadeiro pecado!

Sobre o verdadeiro pecado!
"O primeiro pecado da humanidade foi a fé; a primeira virtude foi a dúvida." Carl Sagan

quinta-feira, 3 de maio de 2007

A fé narcisista

A fé narcisista

Assim como as crianças precisam de "limites", nossos sentimentos, nossos gostos, nossa forma de ser e pensar necessita de moderação sob pena da razão ceder lugar ao exagero cego e tolo, que demonstra quão estúpidos podemos ser. Até mesmo as virtudes dentro de sua nobreza necessitam ser moderadas, posto que tudo o que ultrapassa certo limite torna-se algo problemático. O mesmo ocorre com a fé, com a religiosidade que, em demasia, demonstra a ausência de racionalidade proveniente do pouco auto-conhecimento e estima por si mesmo do individuo.
Em um de seus aforismos Nietzsche diz que é preferível ser muito cético do que muito crédulo. Analisando as condutas dos "crentes" (aqueles que crêem em algo com convicção) percebo que o filósofo não estava errado, pois verifico quão "sem razão" se torna a análise que fazem da vida e suas contingências, a irracionalidade lhes levam a uma visão maniqueísta do mundo, em que, de um lado encontra-se o bem e do outro o mal e que eles, logicamente, encontram-se inseridos no bem, sendo, via de regra, perseguidos pelas maldades alheias. Enfim, passam a crer que todo bem provém de sua "fé" e todo mal é oriundo de outrem, de magias, de existências sobrenaturais, enfim, eles nunca são ruins, os crentes crêem-se perfeitos, ou quase perfeitos, porque são "humildes em sua fé", resignados como um rebanho de ovelhas.
A palavra "religião" significa "re-ligar", re-ligar o homem a Deus, ocorre que a fé irracional, demasiada, exagerada acaba afastando os homens que fazem de sua crença motivo de discussão, pois precisam da concordância de quem lhes cerca, o que demonstra que nada existe de humilde na obstinação religiosa que precisa da concordância e de aplausos alheios. O homem mais sábio que já encarnou nesse mundo- Jesus Cristo, pregava a importância da união, do amor e respeito entre as pessoas não lhes obrigando a crer naquilo que dizia, não impunha sua fé, era brando, pacifico e não irracional e narcisista como certos crentes.
A fé narcisista quando se depara com o espelho conclui: "não existe crença melhor que a minha,fé maior e mais bela, religião mais correta". Eis o orgulho do crente, que tentando se religar a um ente invisível afasta-se de si mesmo, afasta-se de quem lhes cerca imerso em obstinação. A racionalidade esta na auto-análise, na sapiência demonstrada com a consciência de que se alguém é culpado por algo somos nós mesmos, com nossas fraquezas, com nossos pensamentos negativos, que são unicamente nossos, e não provenientes de influências exteriores que, ainda que existam, não iriam nos abater se nós não fossemos defeituosos e fracos.
Humildade é conhecer a si mesmo, humildade é saber de seus defeitos. Coragem é esforçar-se para mudar, sem culpar aos outros, pois corajoso é aquele que se confessa consigo mesmo, que consegue se analisar da mesma forma que analisa aos outros. Auto-questionamento e duvidas, é sinal de racionalidade. Quem em tudo acredita, demonstra que não reflete e como os bois do filme "Abril Despedaçado", terminam repetindo o que lhes foi ordenado e ensinado (porém, pelo que sei, boi não pensa).
Não se encontra na crença o que não se possui no coração, não é sendo devota que uma pessoa se torna melhor, é se auto-analisando que se evolui, não é rezando terços nem se confessando que se é perdoado, não é dando oferendas que se colhe louros ou que se protege contra algo. Basta que saibamos que a força esta dentro de nós, e que, se quisermos cresceremos e seremos mais felizes, desde que saibamos respeitar a nós mesmos e aos outros. Um elo pequeno separa a fé do fanatismo, a humildade do orgulho, o amor próprio do egocentrismo, a loucura da sanidade, e esse elo se chama razão, sem ela até o amor se mostra ensandecido, e a descrença vazia se mostra menos nociva do que a crença dos obstinados que a ela se dedicam para fugirem de si mesmos.


Cláudia de Marchi
Passo Fundo, 17 de outubro de 2005.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.