Sobre o verdadeiro pecado!

Sobre o verdadeiro pecado!
"O primeiro pecado da humanidade foi a fé; a primeira virtude foi a dúvida." Carl Sagan

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Virtude de mestre


Virtude de mestre

A auto-confiança é uma bela virtude. Mas, como tudo o que é virtuoso não pode ser excessiva. Há limites para tudo neste mundo, das maiores virtudes até às mais humildes atitudes. O homem se torna um perigo para si mesmo quando passa a crer demais em si mesmo e no seu "talento".
Confiar no seu "taco", dizem, é importante. Confiar em Deus, digo, também o é. Confiar em si mesmo, na própria força, garra e virtudes também é sumamente necessário. Mas confundir "tudo" e passar a crer que se é o próprio Deus no mundo, o "todo poderoso" Rei da Vida não é nada interessante. Quando o homem esta acreditando poder tudo, vem ela (a Vida) e, sorrateiramente, mostra que ele não pode gerir tudo nela, tampouco te-lá, sempre, como deseja.
Lembro que alguém certa vez comentou que existem juizes que pensam que são Deus, outros que acham que são, e outros, ainda, que tem certeza disso. Da mesma forma existem pessoas assim, cuja auto-confiança e certeza de seu próprio poder e aptidões as tornam arrogantes e estupidamente "cheias de si".
E de tão "cheias de si" que ficam acabam por se tornar vazias. Vazias de humildade, de amor para dar e receber e, porque não dizer, de alegria de viver, porque todo arrogante afasta de si as pessoas, inclusive as que julga amar. Existe um filme sensacional que fiz questão de assistir duas vezes que mostra tal fato, chama-se "Crime de Mestre".
Tudo poderia ser excelente para os personagens se ambos soubessem conter o ego inflado. A convicção de ser o melhor, o excelente, o "the best" em sua profissão, no caso de um advogado, e em seu agir no caso do personagem do bom e velho Anthony Hopkins estragam as pretensões de ambos em momentos diferentes da trama. Coincidentemente, no final vence aquele que reconheceu sua falha, enquanto é vencido e se esvai pela própria arrogância aquele que, não contente em ter para si a proeza realizada, precisa conta-la, gabar-se. (De fato, grandes peixes morrem pela boca.)
Uma das grandes lições deste filme que considero um dos melhores que assisti nos últimos meses é esta. Mas não é preciso assisti-lo para depreender tal aprendizado, basta observar a vida, muitas vezes a nossa própria: Ela vem, quieta, humilde, e, de repente, puxa o tapete daquele que esta acreditando demais em suas virtudes e proezas. Por outro lado, se mantém elevado aquele que confia em si mesmo sem perder a melhor virtude que um homem pode ter: A humildade.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 31 de outubro de 2007.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Se é amor...

Se é amor...

Se é amor que seja verdadeiro. Que seja intenso, de corpo e alma, de mãos, pés, abraços, beijos, nucas, cheiros, cabelos, apertões, carícias. Que seja de desejos para o futuro, de sonhos sonhados juntos, de esperanças divididas, de reclamações e dores compartilhadas ao pé do ouvido, de abraços, de apoio, de confiança. Se é amor que seja de olho no olho, mãos entrelaçadas, corpos e alma unidos, perdão bem disposto.Se é amor que seja de doação e não de comodato, de compra e venda ou arredamento, nem, necessariamente, de "casamento". Amor puro cultivado no dia a dia. Amor puro, que apenas do amor depende.
Amor sem pedir retribuições que não sejam as à ele inerentes: Respeito, sempre. Confiança, companheirismo, parceria, união. Lealdade e fidelidade. Todos entrelaçados. Quem não respeita, não faz companhia, não divide a vida, as dores da alma, as alegrias do coração, quem não compartilha leva o relacionamento rumo à bancarrota da deslealdade, da infidelidade em suas diversas manifestações, dos atos impensados de mágoa.
Se é amor que penda para o perdão. Não para as cobranças. Se é para perdoar que seja da alma para dentro, e não da boca para fora. Que seja o perdão coerente e racional que avalia a conduta alheia sem olvidar da sua, e, pois da sua própria culpa e ato gerador da atitude magoante ou "desgastante" do outro. Perdão sem cobranças, sem "o jogar na cara", porque se do contrário for não é puro, não é verdadeiro, e, logicamente, não é perdão de quem ama de verdade.
Se é amor de enamorados que seja assumido. Assumido no silêncio dos olhares, na paciência, no convívio, no saber ceder espaço, no coração, na alma, no lar. Não precisa de alianças, champagne de primeira, festa de alta classe. Precisa de amor. Precisa de respeito à liberdade do outro, às limitações do outro e a "bagagem" de probleminhas que toda pessoa traz consigo, às tradicionais "diferenças de criação e vivência". Precisa de coragem e maturidade para compartilhar a vida com alguém sem querer ou pensar em dele se adonar.
Amar não é prender. Não é privar das amizades, da individualidade, dos momentos de solidão ou confraternização intima e com amigos que todos precisam para se sentirem sãos de espírito e donos de si mesmos apesar de ter alguém importante no coração. Amar é respeitar, é ceder espaço e, inclusive, liberdade ao outro. É, pois, confiar e sorrir tranqüilamente sabendo que quem ama e é bem amado não é seu por uma escritura pública ou prisão de qualquer forma. Mas porque lhe ama, respeita, confia e admira.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 24 de outubro de 2007.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Sem inocência

Sem inocência

Apesar dos princípios de algumas religiões e de pontos de vista filosóficos e espirituais variados afirmo que o ser humano é inocente pelo que lhe “ocorre” unicamente do zero aos 9 meses de vida. Ou seja, o único ato pelo qual (teoricamente) ninguém pede e tampouco gera é o de “vir ao mundo”.
Depois que nasce o homem não é inocente por nada. Por mais injustiçado que seja, por maior que seja a sua dor, de alguma forma, consciente ou não, foi ele quem lhe deu causa. Não existem adultos inocentes, ou vítimas do acaso, do destino ou dos outros.
Existem, isto sim, homens vítimas de si mesmos. As pessoas geram o seu sofrimento das mais variadas formas. Por terem medo de amar, por terem medo de se entregar à algo, à uma situação ou sentimento, por temerem o amanha, o “dar certo” (que acarreta responsabilidades) ou o dar “errado” que acarreta frustrações.
O homem erra por omissão, erra através de atos, falha com os outros por não lhes dar valor, atenção, erra consigo por temer demais o que deveria apenas sentir e gozar, por não seguir sua intuição e seu coração. E, assim, não existem adultos vítimas de ninguém. Apenas deles mesmos.
Ademais, toda ação gera uma reação. Nem sequer um tapa levado na cara neste mundo é dado em vão. Por trás da ira do agressor, da mágoa do traidor, da mentira do “camarada”, da revolta da esposa, da displicência do companheiro, existem e existirão, sempre, um “porque”, algum motivo que nem sempre é admitido.
O homem não deixa de ser culpado, o homem não deixa de ser vítima da humanidade apenas porque nasce e tem consigo o dom da racionalidade. Mas, porque convive. Viver só não é tarefa das mais difíceis, em especial para os covardes. Conviver sim, é uma arte que apenas as pessoas emocionalmente seguras e inteligentes conseguem edificar.
Ceder, ponderar, transigir, respeitar. Dar e receber, e, principalmente ter a consciência de que no convívio não se “age” só. O agir de um refletirá na resposta, na atitude e, quiçá, na omissão do outro. E é por isso que, neste exato momento, inúmeras pessoas estão derramando lágrimas.
Lágrimas que elas mesmas geraram, quiçá sem saber que suas atitudes as levariam à dor, mas a vida não exige que saibamos o que ela nos mostrará. Ela nos cutuca a ferida e nos aponta, queiramos ou não, saibamos ou não, o porquê de nossas mazelas.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 23 de outubro de 2007.

O lobo da alma humana

O lobo da alma humana

Tem dias que a gente se sente um guerrilheiro preso pelos inimigos. Canhões, armas, mãos, soqueiras, ameaças, tudo direcionado contra nós, nos constrangendo, pressionando, e, porque não admitir: Amedrontando. Quem leu Myra y Lópes sabe que o medo (como um gigante de nossa alma) quando elevado, faz a ira nos enrubescer a face e amargar o coração.
Todo mundo já sentiu-se no limite. No limite da paciência, da serenidade, do equilibro. Todo ser humano já deve ter tido a vontade de dizer: "Sim, eu estou fora do meu equilíbrio. Suma. Me deixe em paz". Alguns dizem, outros remoem a vontade de dizer, e outros, mais racionais ainda esperam a raiva passar e a serenidade voltar.
Eu faço parte do grupo dos impulsivos. Do grupo dos que magoam sem querer por perder o auto-controle. É medo de fracassar, medo de fraquejar, de errar, medo de ser criticado, julgado injustamente, medo de se ferir, e, inclusive de magoar e ser magoado. Orgulho?Talvez. Fraqueza?Certamente. Mas é preferível admitir uma fraqueza e respirar aliviado do que viver constantemente sobre a pressão do "tenho que ser infalível".
Todos somos falíveis. Todos somos capazes de gestos nobres, iluminados e gloriosos e outros nem tanto. Outros horrendos, de vingança, de raiva, de descontrole, porque não admitir? Não quero viver a vida e afirmar para mim mesma, como fez Fernando Pessoa, que todos se fazem passar por príncipes na vida. Eu não sou princesa. Não sou santa, nem perfeita, com o respeito de minha mãe que me exige perfeição desde antes de eu nascer.
O que me alegra nas atitudes vãs e vis do ser humano é, justamente, a impulsividade. O impulsivo é aquele que precisa aprender a pensar antes e não depois de agir. Bem, pelo menos ele tem uma tarefa a aprender na vida, e sabe disso, pior é aquele que se achando perfeito se vê como imutável demonstrando uma ignorância imensa e sui generis.
Pois bem: Felizes os impulsivos porque deles poderá ser o reino dos aprendizes na escola da vida. Como advogada sempre disse que o homicídio é o mais "humano" dos crimes. Não falo do assassinato planejado, feito de forma estratégica, falo daquele mais passional, onde o cidadão age, agride e mata (às vezes sem desejar tal resultado) e se arrepende depois. Agiu sem pensar, por impulso. Ao contrário daqueles que não lesionam o corpo ou levam uma vida humana mas planejam na surdina de suas mentes cometer um ato ilegal e lesar alguém.
A impulsividade é o lobo que ronda a alma humana para lhe equiparar aos animais. Mas, e daí?O homem é um animal, porém racional. Obviamente, precisa aprender a mandar este lobo para longe de sua mente e domina-lá usando o dom que se chama razão. Todavia, quando não o faz, inegável a possibilidade do arrepender-se, e, de preferência, de aprender com o erro.
Mais triste do que errar por impulso é planejar o erro, é prever o resultado, é vingar-se, é agir com meticulosidade para obter um resultado que venha a magoar alguém. Erros não justificam erros, mas o fato do homem ser humano justifica o fato dele errar. E se é pra errar que seja por um impulso ruim, e não por uma maldade permanente e contumaz. Errar é humano, errar sabendo do erro e o desejando é comprovação de maldade humana. Antes o ser instintivo do que o racionalmente pérfido.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 23 de outubro de 2007.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Além do saber amar

Além do saber amar

O que você espera de quem você ama? Irmãos, pais, amigos, namorado, esposa? Respeito?Compreensão?Apoio?Amor, claro, amor! E a maior demonstração de amor é o respeito. Ninguém ama sem admirar com a alma, ninguém admira sem raciocinar na importância da pessoa em sua vida.
O grande problema ocorre quando, por não se amarem, as pessoas não conseguem se deixar amar. Disse Herbert Viana: "Saber amar, é saber deixar alguém te amar". Mas não é só isso. Não mesmo. Saber amar também é deixar o egoísmo de lado, fazer pequenas abdicações sem "jogar" na cara do outro o "esforço". É ouvir, compreender, é ser parceiro nas horas de risos, lágrimas, gozo e tristeza.
Todavia quem não sabe se amar, quem não ama à si mesmo, quem não valoriza quem é jamais vai conseguir compreender o amor que recebe, jamais vai saber a importância de dar e receber carinho e atenção. Quem não se ama é um morto vivo na vida afetiva: Muito embora fale de sentimentos, ande em busca deles, não consegue vive-los, senti-los e goza-los.
Não importa o quanto uma pessoa que não se ame seja amada, ela nunca irá dar o devido valor à quem lhe estima. Nem a ela mesmo ela dá. E dar valor, é, sim, demonstrar o que sente, com palavras, gestos, afeto e, sobretudo, respeito. Para que maltratar, para que xingar ou ser estúpido com quem lhes tem no coração? Errar alguma vez em meio as turbulências diárias é perdoável, mas se redimir com respeito e carinho é a melhor solução, afinal, não existe amor que suporte desrespeitos e atitudes de tripudio a seu sentir.
Não há mistérios no caminho dos relacionamentos. Amor próprio é o primeiro passo, auto respeito, junto com aquele, depois é encontrar alguém por quem a alma palpite, admire, se encante e a ele dar o seu melhor: Amor e respeito, consideração a seus sentimentos e essência. Nada tão complicado, e, como tudo que envolve o ser humano parte da premissa de fazer ao outro o que deseja que ele lhe faça.
Antes de querer apenas ser amado, cuidado, e zelado, é necessário desejar dar amor, cuidados, zelo e carinho. A vida é uma comunhão de sentimentos onde os egoístas nadam e morrem na praia. Sós, infelizmente, sós com suas reclamações, ao lado daqueles que não souberam se amar, ser amados e dar amor. A vida dá ao homem de acordo com suas atitudes. Sempre foi assim. E sempre será. Ninguém sofre em vão, ninguém é feliz sem razão.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 19 de outubro de 2007.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Verdades do amor

Verdades do amor

Em que lugar o amor morre? Aonde ele se perde? Em que ponto do caminho do relacionamento a solidão vai para um lado, o costume e a carência para outro e o amor fica no chão, esmagado na confusão de sentimentos e ilusões? Onde reside o amor no coração dos que não gostam da própria existência, onde reside este nobre sentimento na alma daqueles que não confiam em quem dizem amar?
Complicado não é sentir, complicado não é viver, complicado é complicar o que nasceu para ser simples, leve e saudável: A vida e os sentimentos que são mananciais de alegria e rejubilo no coração dos que a eles se entregam, e, sabem se entregar sem medo de sofrer. Não sei se o amor morre, creio que o amor de verdade não morre nunca, apenas se esconde. Se esconde embaixo do amor próprio daquele que ama alguém, mas que, por algum motivo se cansa.
Existem situações intoleráveis, desrespeitos insuportáveis, atitudes magoantes, desconfianças sem sentido, acusações infundadas e ofensivas, e o amor, ao contrário do que podem pensar alguns, não "agüenta tudo". O amor é sentido forte no peito, na alma, mas ele acaba, aos poucos, se escondendo para que o amor próprio prevaleça. Quem agüenta desaforos, quem "agüenta" tudo não ama. Não ama, porque não se ama.
O amor também não se perde. Ou ele existe e permanece, ou ele se esconde para que amor próprio se liberte e o individuo consiga ser feliz, com ele mesmo e, quiçá, com outro alguém. Amor não se conjuga no passado, já dizia o poeta. Ou ele existe hoje, ou se escondeu para o auto-respeito prevalecer, ou, na verdade, nunca existiu. Foi paixão, foi ilusão ou, porque não, medo de solidão.
Certo, porém, é que aquele que não ama à si mesmo e à sua vida e nem dá a ela os seus melhores sentimentos não ama ninguém. Dizer que alguém que não ama a própria vida é capaz de amar verdadeiramente alguém é o mesmo que dizer que "chocolate é doce como limão": Uma redundância estúpida que indica algo impossível. Confiança, respeito mútuo, capacidade de ceder e compreender são os maiores indicativos da existência de tal sentimento. E quem não confia em si mesmo, nem se respeita não pode dar ao outro o que não conhece e possui.
Relacionar-se, assim como viver é prazeroso. Prazeroso para quem tem prazer em ser quem é, viver como vive, amando à si mesmo e a vida que possui. O homem faz da sua vida, dos seus relacionamentos e dos seus sentimentos aquilo que pensa deles. Felizes no amor são os que acreditam nele, relacionamentos harmônicos possuem aqueles que acreditam que a inteligência, a sensibilidade e uma boa dose de sentimento puro podem tornar uma relação entre seres diferentes uma forma agradável de viver, aprender e crescer em união, é claro.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 16 de outubro de 2007.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

(A) Os homens pais

(A)Os homens pais

"Antes eu fazia umas loucuras de moto e agora eu penso: Tenho uma filhinha para cuidar". Ouvi essa frase de um grande amigo que foi abençoado com a paternidade há quase 2 meses atrás, ou melhor, quase 11 meses, porque a benção do espírito paterno nasce com a concepção e desde o momento em que os papais tomam consciência de que algo pequeninamente grandioso virá iluminar e mudar suas vidas.Me emocionei com tal afirmativa.
Todos falam da benção que é ser mãe. Acho que as mulheres sempre tiveram a maternidade como uma benesse divina, pessoal e própria, a ponto, inclusive de afastarem dos homens, dos pais, o gozo da sensação de "ser pai" e de se vincularem com o filho. Quase véspera do dia das crianças (data que me traz doces recordações) eu me comovo ao ver o que um filho faz na vida de um homem.
Bom pai não é o "papai casado com a mamãe!, tampouco é aquele que "dá" tudo, que "compra" tudo. Bom pai é aquele que se apodera do espírito da paternidade. Que sorri enternecido ao ver seu pequeno, sentindo-se forte e responsável por sua educação. Experimentando uma sensação de importância e relevância no mundo, certamente, nunca sentida. A paternidade, tal qual a maternidade, muda a vida de uma pessoa, tirando de seus umbigos o foco de seu viver.
Chega um momento na vida de todo ser humano que as coisas se tornam repetidas, que o quente e o frio ficam, simplesmente "mornos": Mesmas obrigações, mesmas comemorações, responsabilidade pessoal que vai ficando tão insossa a ponto de requerer irresponsabilidades: exageros, bebedeiras, saídas sem olhar para trás, atitudes sem olhar para frente.
E é em tal momento quem um filho vem como uma dádiva. Uma dádiva que nasce e faz o homem renascer para sentimentos e sensações praticamente divinas. É isso que senti e apreendi do estado de espírito de meu grande amigo, e, certamente, grande pai. É o que percebo em muitos grandes pais que conheço: O filho se torna uma razão de viver que se confunde com sua própria vida e entusiasmo perante ela. (Dizer "meu filho" com ternura é algo emocionante, tal qual ouvir).
Bem aventurados os filhos dos bons pais. Bem aventuradas as crianças que vieram à este mundo que não é nenhum paraíso, mas se torna um local mais doce e agradável quando há uma mão forte para lhes segurar, um abraço caloroso para lhes propulsar ânimo e acarinhar de forma a lhes ensinar a ser adultos fortes e maduros.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 11 de outubro de 2007.

Doação de sentimentos

Doação de sentimentos

Mais difícil do que rejubilar-se com a vida, do que ver graça nela apesar das adversidades, mais difícil do que conquistar um coração é fazer ou tentar fazer seu dono feliz. De todas as pretensões não creio que ser amado seja a maior, a maior pretensão que o homem pode ter é, para mim, a de fazer seu par ser feliz quando ele não é.
Pode o amor ser dado, o afago, o carinho e o ombro amigo, serem garantidos, podem serem ditas milhares de palavras de apoio e estima, a força e paz serem emanadas, nada é suficiente para suprir o que o outro, talvez, não possua: Paz de espírito, apreço por si mesmo, gratidão à Deus pela vida que tem, e, portanto, felicidade por ser quem é.
Felicidade, nesse aspecto é a de sentir-se bem na própria pele, sendo quem se é, respeitando a si mesmo, seus defeitos e mancadas, vendo a luz das virtudes apesar das pedras dos defeitos que existem para serem superados e afastados de nosso caminho. Amar a si mesmo é respeitar as próprias fraquezas, é se cobrar por alguns fatos, mas não se torturar pelo fato de ser humano, ou seja, de ser imperfeito.
Falo, em suma, de que é assumir uma função torturante e impossível a de querer "fazer alguém feliz". Se alguém precisa ser "feito" feliz é porque não é completo. E ninguém completa ninguém, muito embora os românticos menos realistas prefiram crer nessa ilusão. Amigos, casais harmoniosos se "somam", compartilham sentimentos e vivências e não se completam. São maduros, e, portanto, "cheios" em si mesmos.
Plenos de amor, de alegria, de auto-confiança e, também, desejosos por compartilhar com alguém as benesses de sua alma clara, como diria Gil, que apenas o amante "clarividente" e, como ele, apto para o amor poderá enxergar. Quem precisa de completude é porque é semi-vazio, e qualquer coisa semi vazia não pode gozar do "cheio" do amor. Quem não é, pois, completo e feliz consigo e em si mesmo, não poderá ser feito assim por outro alguém.
A intenção de quem deseja fazer alguém feliz é nobre, mas o resultado é catastrófico. Em especial porque aquele que não consegue se rejubilar com o que tem de bom na vida, que não consegue se regozijar consigo mesmo, demonstrando amor-próprio e felicidade interior, jamais poderá amar a alguém e, tampouco, conseguir compartilhar uma vida, bons e belos momentos. Inevitável, portanto a frustração daquele que quis fazer um bem maior para alguém. O bem de lhe dar algo que não possui, que, quiçá seja um algo chamado paz.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 11 de agosto de 2007.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Pessoas farpas

Pessoas farpas

A vida não é difícil. Conviver também não, é uma questão de paciência e complacência, o que é difícil são as pessoas que não percebem que viver é fácil. Difíceis são, também, aqueles que não percebem que em crescer, também, inexiste dificuldade bastando um pouco de coragem e entusiasmo para levantar-se de manha sem precisar da aprovação alheia, de elogios ou de força.
Viver requer força, é verdade, mas força pessoal, estima própria. Pessoas que precisam do apoio e do entusiasmo alheios para sentirem-se bem são extremamente difíceis, ou melhor, são pessoas chatas. Inconvenientemente chatas, a ponto de se tornarem pesadas, tanto na energia que emanam como na "adequação" na vida alheia - elas se tornam fardos. Não tão pesados, é verdade, mas fardinhos de chatice irritantes como farpas.
Infelizmente não são poucas as pessoas que se tornam dependentes da atenção alheia para viver e buscam, através de mesquinharias, formas de serem agradadas, exaltadas e, enfim, de chamar para si os holofotes dos sentimentos alheios ainda que para tanto tenham que se colocar em posição de inferioridade frente aos outros.
À alguns falta vergonha para se fazer de infelizes e buscar a atenção dos outros, enquanto sobra pouco apreço por si mesmo e carência. Todavia existem males que ninguém pode solucionar a não ser o próprio homem. A vida requer a convivência social, mas a felicidade e o bem estar são coisas extremamente individuais. Individuais e "optativas"- basta querer ser feliz, basta desejar simplificar a existência.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 10 de outubro de 2007.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Crenças do bem.

Crenças do bem.

Digam que a vida é dura, digam que a torpeza impera, digam que não existem mais pessoas honestas e verdadeiras, digam que o amor se tornou sinônimo de conveniência e que carinho se coaduna mais com carência do que com sinceridade, digam que a família é um berço de hipocrisia, digam que a verdade morreu e foi jogada no oceano amarrada na imensa pedra da justiça.
Digam que sou otimista, inocente, digam que vivo num mundo próprio, digam que sou uma autista que só ouve o que lhe apraz. Eu digo que vejo a realidade, ouço tudo, compreendo muito, mas em meu coração não aceito a versão pseudo-realista do mundo, que não vê nada, além de desencanto e que, aos poucos, perde a esperança na vida e, sem perceber, deixa de viver, porque, simplesmente deixou de sentir o bem a ela inerente. Viver é uma dádiva que poucos gozam.
Eu tenho fé na vida, na coragem, na força e no empenho dos bons homens. Acredito no ser humano, mas desconfio bastante, ora, porque não? Eu disse que não sou autista, tampouco tola, mas eu sinto a vida e seu fluir, o homem e seu sentir, a energia do olhar dos bons, a malevolência do sorriso dos maus, e de vez em quando confio e desconfio ao mesmo tempo, porém sempre prefiro a alegria especial da confiança que as pessoas especiais me inspiram.
Tenho na pele estrelas tatuadas porque espero que o bem brilhe na constelação de minha existência, do lado esquerdo fiz um coração. Um coração que jamais sairá de meu corpo porque simboliza que, acima de tudo, é no amor que acredito. No amor e no respeito, seu sinônimo especial e abrangente. Quem ama respeita, sempre.
Creio no amor sincero, verdadeiro, não na troca vulgar de momentos sem sentimentos. Eu acredito em sensações, sentimentos fortes e marcantes. Que marcam o coração como a tatuagem marca a pele. Sim, eu conheço a dor, sinto as dores do mundo, tenho compaixão como raras possuem: A dor daqueles que sinto que são especiais me emociona.
Mas, sempre, há o “apesar”. E eu vejo além da dor, além da injustiça de hoje, além da maldade, da inveja, da maledicência, além dos berços dos mal amados, além das famílias desunidas, além das palavras jogadas ao vento pelos mentirosos e estelionatários sentimentais.
Eu vejo a vida que eu quero, somo à energia da vida que tenho, e sei da vida que levo, dos caminhos que escolho, do rumo que tomo, por mais que me critiquem, é preferível ser feliz e criticado, a ser triste e adequado. Desconfio do que é demasiado perfeito e “de acordo”.
E, sobretudo, creio ser preferível a dor da verdade a conveniência da mentira agradável. Bem aventurados os sinceros, os que acreditam que a justiça divina pode se estender sobre os homens fazendo com que, com um pouco de luz, seja feita, também, por eles. Ainda acredito no ser humano. Nos indivíduos do bem, posto que, ainda que raros sempre irão valer mais do que uma multidão dos maus.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 08 de outubro de 2007.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A miserabilidade da pena de prisão no processo penal.

A miserabilidade da pena de prisão no processo penal.

Cláudia de Marchi[1]


O Direito Criminal sempre me encantou, antes mesmo de me formar na Universidade de Passo Fundo trabalhei ao lado de um dos melhores e mais honestos advogados criminalistas da região, após, porém, me afastei um pouco da área, com uma espécie de medo de afirmar-me como criminalista mulher perante a sociedade.
Na verdade, a palavra criminalista mascara alguns estigmas negativos, sendo cada vez mais difícil a atuação dos advogados nesta área, em que o Ministério Público é colocado como anjo a favor da sociedade, e os advogado de defesa como um ente praticamente “pró-criminoso”. O que não é verdade, como diria Francesco Carnelutti, o advogado é aquele que é chamado a socorrer (“Advocatus, vocatus ad”) tal qual o médico, mas apenas a ele é dado este nome, porque à ele se pede a forma essencial de ajuda que é a amizade[2]. Amizade, frise-se, não à delinqüência, mas à família do delinqüente, e, porque não dizer, dentro de certos limites profissionais e morais, à ele mesmo.
Pois bem, o Direito Penal não foi uma paixão passageira em minha vida, tenho hoje, a certeza de que minha afinidade pela área constitui-se em um amor, porque mesmo distante, voltei a atuar em alguns casos e sinto aquela alegria jovial que chega a tirar-me o sono tamanha a empolgação e, inclusive, preocupação com certos casos.
Algumas menções e palavras ficam na mente do advogado. Atendi ao pai de um novo cliente, um rapaz de boa família, que, como eu, estudou nos melhores colégios da cidade, tendo sido meu colega durante o segundo grau, e na própria Faculdade de Direito. Drogado, há alguns anos assassinou a parceira, igualmente viciada, num momento em que, certamente, a razão lhe faltou. Sem ter conseguido a progressão de regime com 1/6 da pena, o pai busca um Recurso, e me disse, de forma a comover-me: “Eu sei que se eu tirar meu filho de lá agora eu ainda posso recupera-lo. Se ele ficar lá dentro mais tempo, eu vou perde-lo.” É doído ouvir isso, dói na alma porque faz pensar na realidade do sistema penal brasileiro. Na realidade do Brasil, enfim.
Ao contrário do que afirma a maioria das pessoas eu não vejo problema na ausência de leis, eu vejo problema na falta de política criminal. Na falta de atitude do Estado ao pensar no futuro, na necessidade de aplicação de penas enquanto faltam lugares nas prisões, quando a corrupção existe no Governo e dentro dos careceres. Vejo problema nos poucos presídios existentes, na degradante situação dos presidiários, enfim, na constatação de que a pena de prisão pode punir, retribuir ao “mal do crime a sua pena”, mas nunca, jamais atua de forma preventiva especial, ou seja, dando meios para a ressocialização do condenado. Pelo contrário, creio que o individuo saia do presídio carregado de aprendizados negativos.
Poderiam ser implantados trabalhos diversos, desde agrários até outros, como conserto de máquinas, computadores, marcenaria, culinária, enfim, várias espécies de labor para ocupar os presos e, assim, auxilia-los em sua recuperação psíquica para voltar à sociedade. No caso do meu cliente, se vê assolado pelo arrependimento, pela culpa e não possui atendimento psicológico nem nada do tipo, pelo contrário, existe tráfico de drogas dentro do presídio criando em seu pai a desconfiança de que o filho possa estar consumindo algum tipo de entorpecente que, “não” se sabe “como” entra no Presídio.
Todavia o jovem deseja sair, ir para uma clinica de reabilitação, concluir o curso superior, enfim, deseja se recuperar, voltar à sociedade com dignidade. Talvez, neste País este seja o desejo de muitos presidiários, mas será que conseguirão? E o contato, 24 horas por dia, com criminosos contumazes que nada mais fazem se não contar suas histórias de revolta, ódio e delitos hediondos? Existe uma certa diferença entre a mente da pessoa que em certo momento cometeu um crime, um homicídio, por exemplo, e aqueles que cometem ou cometeram vários deles, todavia, dentro dos presídios todos se misturam na inércia de seus dias. Penso, pois, que enquanto o sistema penal se mantiver desta forma (errada), enquanto o Estado não der atenção à necessidade de construção de presídios e implementação de meios de ressocialização aos criminosos a progressão de regime se mostra urgente para que jovens que cometeram um crime não tenham sua personalidade ainda mais degradada vez que estão sujeitos a más influências dentro dos presídios, o que remete meus pensamentos a necessidade de exclusão da reincidência da lista das agravantes da pena. Existe algo errado, algo muito errado em nosso Sistema Penal, e, enfim, em nosso Estado Democrático de Direito e é a sociedade que paga pela sua prostração diante da grave realidade.
[1] Advogada na cidade de Passo Fundo/RS e especialista em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
[2] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal. 5ª Ed. Campinas: Bookseller, 2001, p.28.