A saudade, o passado, o presente e o futuro.
O passado é aquele tempo que deixou de existir, o futuro é o tempo que não existe e trás consigo todos os mistérios e dúvidas do mundo, enquanto o presente é a vida, é o tempo da ação, é o tempo do sentir, do agir. O hoje é a vida, o amanha é a possibilidade, é a hipótese, a incerteza e suas dúvidas, que, para o covarde, ou seja, para aquele que não vive o presente, é "o tempo de ser feliz".Deixando para o amanha a vida, se desculpa por ignorar a possibilidade de aproveitar as chances, armar-se de coragem e ir lutar pelos seus sonhos.
Os sonhos são como um comandante severo que manda o homem para a o campo de batalha, se ele não for irá safar-se por covarde, mas não receberá congratulações, se for poderá ganhar e alcançar metas. Para auto-realizar-se é preciso arriscar, para viver é preciso arriscar, quem não arrisca esta vivo apenas, mas não esta vivendo: Vegeta calmamente no silêncio de seu marasmático ambiente de alienação.
O passado, o presente e o futuro são como barcos interligados por uma corda de aço que os junta a uma só âncora: Ela se chama saudade.Não sentimos saudade apenas do que passou, não sentimos falta apenas dos amores antigos, dos amigos que se mudaram, do pai que se foi, da mãe ausente, da esperança que a perda da inocência levou.Sentimos saudade do futuro!
Sim, sentimos saudade dos sonhos cujas sementes guardamos para semear no futuro e que, por algum fato do presente (ou do passado) perdemos, e nos faz ter que ignorar o sonho antigo para mudar de metas.Sentiremos saudade daquele sonho.Os sonhos futuristas distraem a alma e alentam o espírito que, enquanto sonha, pressiona as sementes com os dedos contra o chão, fugindo do hoje, ignorando a terra seca do presente, pensando que no amanha ela estará fértil.
A mulher que desejava ter um filho em 1 ano,tem seus planos frustrados ao saber que necessitará de tratamento para engravidar e que tal levará muito tempo.O futuro almejado mudará, e ela terá saudade dos planos e da idéia que fazia de si com 14 quilos a mais e um ser amado no ventre em poucos meses. O homem apaixonado que desejava fazer uma viagem com a namorada dentro de 6 meses, terá que mudar os planos diante do falecimento da mãe da moça, e em meio à lágrimas e lamúrias sentirá saudade da idéia que tinha em mente, de ambos na praia, se amando e conversando.O acadêmico que tinha os papéis adequados para o ingresso em uma pós-graduação em São Paulo, terá saudade dos planos e de sua imagem de "pós-graduando" dedicado na capital paulista, ao ser reprovado na defesa do trabalho de fim de curso. A jovem que marcou um encontro com um rapaz que não apareceu, sente saudade da esperança de alegria e envolvimento que tinha antes da frustração, e da idéia que fazia se ocorresse atração entre ambos.
Enfim, a saudade não é de algo concreto, sente-se saudade de sonhos, de pensamentos e de "idéias" que, sem serem concretizados traziam a idéia de felicidade, e é desta possibilidade, de alegria, paz e venturas que se sente saudade.
Sente-se saudade, também, de paz, de igualdade social, de amizade, de fidelidade, de companheirismo, de respeito humano, de afeto, de compaixão, de compreensão, de humildade, de partilha, de carinho, de humanidade.Faz falta, a inexistência de amor e respeito entre os homens, por isso temos saudade destes sentimentos e realizações, porque se fossem concretos ou concretizados muitas vidas, situações e atos seriam melhores, mais fecundos e grandiosos.
A música é algo que para todos trás lembrança, e toda lembrança remete à sentimentos e todo sentimento bom suscita saudade. Saudade de nossa alma na época em que a ouvimos, de nosso estado de espírito esperançoso, ainda que iludido, apaixonado ainda que por tempo curto (posto que passou), de nossa agitação pela espera de algo ou alguém, enfim, a maior saudade que uma canção trás é dos sentimentos que tínhamos e que, sendo nossos, notamos que é de nós mesmos que temos saudades (!).
Temos saudades de nós no passado, temos saudades da idéia que fazíamos de nós no futuro que ainda não chegou e que o presente já mudou. .Antes a esperança, a meta, o sonho, a empolgação, a música...Aquela música! Hoje, a frustração, a realização conforme a possibilidade do momento, a calma de quem controlou a ansiedade enfrentando as agruras da vida, a música do momento, para fugir das lembranças das quais, por mais que nos esquivamos não as afastamos.
Não nos afastamos das lembranças porque, elas são como as cicatrizes na pele que não saem do corpo: elas são as cicatrizes da alma. Como as marcas no corpo, podem ter sido adquiridas com uma queda lamentável, podem ter sido adquiridas em uma alegre escalada em uma macieira que se mostrou perigosa, pode ter sido adquirida em um escorregão no banheiro quando nos apressávamos para abrir a porta para a visita de alguém, independente, pois de terem sido adquiridas por bons ou maus motivos as cicatrizes no corpo marcam, assim como as lembranças, cicatrizes da alma.
Elas não saem de nosso espírito, contudo não provirem de motivos agradáveis. Ao nos lembrarmos de algo sentiremos saudade do que fomos naquele momento, ainda que a cicatriz tenha provindo de uma desilusão, podemos ter certo saudosismo da inocência que tínhamos antes daquele fato.
Porém, é no hoje que vivemos, e a saudade não pode tornar-se melancolia, porque quando lembramos e exprimimos um suspiro de "que bom era", devemos suscitar a certeza de que o dia de hoje esta acabando e que amanha é por ele que iremos suspirar, porque é humano regozijar-se com o que lembramos e não valorizarmos nosso hoje, e principalmente à nós mesmos e à nossos sentimentos presentes.
Se no ontem tínhamos ilusões e sonhos, hoje temos realizações e marcas de luta e maturidade, se antes tínhamos esperança hoje temos novos motivos para enfrentarmos novas batalhas, e conhecemos melhor o caminho da realização. O ontem, porém, será lembrado, pois algumas circunstâncias e sentimentos se eternizam na alma do homem que se constitui do que viveu, do que sentiu, do quanto se doou e amou. Lembrar é reviver a si mesmo, lastimar , no entanto não é sentir saudade.Lastimar-se é se afogar no poço da melancolia, abdicando de novos sonhos, novas lutas e nova vida, pois a vida se renova diariamente para quem a aprecia com atenção e a deseja, feliz, com ardor.
Quem lastima demais desistiu de mudar e de avançar na vida, quem sente saudade relembra com sorriso o que foi, mas anima-se para que, no barco do futuro, tenha boas lembranças do presente, do que foi, como agiu e quão intensamente o gozou..
Cláudia de Marchi
2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.