O homem que vive morto
O ser humano tem medo da morte, mas age como se acreditasse na própria eternidade. O homem vive como se fosse eterno e por isso se escraviza. Se torna escravo do trabalho, se torna escravo da ambição, se torna escravo do dinheiro, se torna escravo dos disparates do governo, se torna escravo de quem lhe quer manipular, seja ele o pai severo, a mãe castradora, a namorada ciumenta, o namorado paranóico. Os homens se tornam escravos de convenções sociais que não lhes fazem felizes, pelo contrário, corrompem a espontaneidade e a simplicidade que uma vida feliz possui.
O homem se escraviza pela hipocrisia, e, acima de tudo, seu carrasco é o medo. O ser humano tem medo de viver intensamente, tem medo de enfrentar seus medos, suas castrações, de superar seus limites, e ser dono de seu mundo, de sua vida; e, assim, nela se acomoda. Acomoda-se no casamento morno, no relacionamento afetivo que se resume em alegria na hora da excitação e que morre com o gozo, se acomoda e se omite, deixa que o hábito e a rotina lhe guiem e se torna um expectador da própria vida.
Exatamente: Um expectador da própria vida! Segue, faz o que os outros desejam para lhes agradar e parecer valoroso e nobre perante eles esquecendo-se de si. E, ainda assim, sendo um morto vivo o homem teme a morte.
O ser humano é uma antinomia em si: Teme a morte, mas tem medo de viver. Tem medo de ser livre, de dizer não quando não quer algo que a sociedade lhe incita a querer, tem medo de deixar algo para trás que não lhe faz mais bem, e segue a vida chamando-a de própria e vivendo para os outros (pensando na opinião alheia de forma que, inclusive a caridade que faz passa a não ser sua, vez que age com benevolência para ser "reconhecido" como bom) ou, apenas, escravizando-se para acumular valores pecuniários e materiais.
Se o homem passasse a encarar a morte como um fato certo e que chega de inopino, afinal, a vida espera nove meses para despontar no mundo, enquanto a morte não avisa e nem gosta de ser esperada, chega de repente e leva quem dizia que a temia, mas não aproveitou a vida que tinha, logo é uma surpresa certa, e reconhecida como tal o ser humano deveria valorizaria a vida- que é única- e passaria a se valorizar perante ela de forma a desvelar a liberdade de espírito para passar a viver bem, decretar-se liberto da hipocrisia, e do medo do julgamento alheio, e, enfim, do que mais lhe possa podar as asas para voar livre e alegre no céu da existência que possui, fazendo o seu paraíso em vida, posto que depois desta nada se sabe, e, com o que não é certo não se pode contar.
Cláudia de Marchi
Passo Fundo, 02 de fevereiro de 2005.
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