Eu, House e a dor.
Não é novidade para ninguém que me conhece ou que lê o que escrevo a minha simpatia pelo seriado da “Universal Channel” chamado House, cujo protagonista é um médico manco, “viciado” em analgésicos e comumente franco, muito franco. O Dr. Gregory House adora afirmar que “não se importa”, assim como usa a sinceridade como uma forma de se “defender”, de impor ao mundo que não precisa de ninguém e que não deseja ser admirado pelo que “não é”, afinal ele “não se importa” por ser criticado ou mal quisto desde que não haja com falsidade.
Talvez o Dr. House não se importe com a opinião alheia a seu respeito, talvez não goste de ouvir as pessoas, mas quase ninguém é sincero quando diz que “gosta” de ouvir os outros, afinal os seres humanos podem ser muito irritantes, egoístas, maldosos, e ignorantes o que não faz bem a ninguém, muito menos para alguém que sinta fortes dores físicas e valorize o seu tempo. Creio, portanto que o personagem se importa muito com o cumprimento de seu dever, ele pode não gostar das pessoas e de suas atitudes, mas não quer e, tampouco aceita agir de forma a colocar a vida de seus pacientes em risco, ao menos que seja para conseguir salvá-los quando a morte é iminente.
Então, será que ele realmente “não se importa” ou apenas “não se importa” com o que a maioria das pessoas se importa? Em ser simpático, bem quisto, admirado, mimado pelo paciente e seus familiares, em ser considerado “bondoso”, afável e competente? Ele cumpre seu dever sem exigir ou querer “condecorações” por isso ele diz que não se importa, mas coloca sua carreira em risco para salvar a vida de pacientes que, não raras vezes, nem deseja conversar, tampouco conhecer.
Desde os 22 anos de idade eu descobri que minha saúde não é “das” melhores, pois tenho uma doença degenerativa dos discos que ficam entre as vértebras de minha coluna lombar, problemas de tireóide e sérias “tendências” a desenvolver doenças cardíacas graves.
Apenas a dor aguda na coluna lombar me faz ficar introspectiva, me faz pensar na vida, porque a dor muda a sua forma de viver, de ver o mundo, de agir e de encarar a sua existência. A dor constante, a dor que não melhora quase nunca, apenas tende piorar em determinados momentos, não lhe deixa ser uma pessoa plenamente normal. Você se esforça, trabalha, estuda, faz o que ama, mas, ali esta ela (a dor) a lhe chamar para a realidade da imperfeição da sua vida, da imperfeição da vida humana. O que quase ninguém quer ver ou admitir, não sem se sentir ou se fazer de “vítima” do “universo” para obter “vantagens” com isso.
Quando você convive com a dor, ou melhor, aprende a viver com ela, você deixa de se importar com muitas coisas, em especial com que o que os outros vão pensar a seu respeito, porque você vive dentre eles sofrendo, gemendo, sem que eles se importem com a sua dor, afinal eles não a sentem, eles não sabem como é tal agrura, logo, é mais fácil falarem que você toma remédios demais, que você fica estranho “se” e “quando” bebe, que você é muito sincero e “espontâneo” sem saberem que você procura e precisa encontrar alívio em analgésicos, relaxantes musculares fortes, antiinflamatórios e tudo que possa lhe fazer “sentir bem”, ainda que por poucas horas, o que inclui falar o que pensa e agir sem se importar com o julgamento alheio.
A dor faz você ver que, por mais que você seja amado ou odiado, isso não muda muita coisa: você chorou pela primeira vez ao vir ao mundo de olhos fechados, teoricamente sozinho, numa sala ou quarto que, ainda que estivessem cheios de pessoas, ninguém podia lhe entender, de forma que cada fisgada, cada gemido, cada “ai” que você diz ou murmura faz você reviver o fato de que, querendo ou não, continua sozinho em sua vida, porque as pessoas que não são doentes ou não sentem dores, costumam “inventar” enfermidades e problemas para fugirem da realidade, para não terem que admitir que seus fardos são mais leves do que os de muitos seres humanos, com os quais elas não se importam, apenas fingem que dão importância para serem consideradas “legais”, “boas” e “virtuosas”.
Então, assim como o personagem magnificamente criado, eu não tenho medo do julgamento alheio, eu “não me importo” desde que eu faça o meu papel, que talvez se resuma a não magoar quem me ama, não intencionalmente, não por querer. Eu “não me importo” desde que eu faça o que eu desejo, apenas quando desejo de coração e mente, eu “não me importo” desde que eu me contente e não fira ninguém. Logo, se você acha que o Dr. Greg “não se importa”, você não entende o personagem. Ele criou o seu mundo, com sua dor, sua muleta, seu único amigo e remédios e eu o meu, com meu trabalho, minhas palavras, minha dor, minhas crenças e descrenças.
Se você pensa que eu escrevo porque eu “sei” escrever, você se engana, porque eu não sei! Não sou mestra em língua portuguesa e não me importo com quem me critica e não gosta do que eu penso ou como me expresso, eu escrevo porque me faz bem, se isso agrada alguém, ótimo, eu fico contente, se não agrada, não me interessa, eu não preciso agradar, eu preciso escrever, desabafar porque isso alivia a minha alma. Faz parte do meu mundo, eu não preciso que faça parte do mundo alheio, o que advier de bom disso, ou seja, se houverem pessoas que simpatizam com o que penso é um acaso feliz, não uma meta.
O sarcasmo do Dr. House se tornou sua “graça”, ainda que muitos achem um sinal de “rabugice”, sua sinceridade é sua defesa, porque ele não quer se entregar para a hipocrisia, para falsos sorrisos e para uma falsa forma de ser e de viver. Ele sabe que ninguém ou quase ninguém se importa com sua vida ou lhe compreende, então é mais fácil viver na “defensiva”, salvar vidas, se entregar ao trabalho a ter que admitir que possui uma forma peculiar (e talvez “especial”) de dar importância à vida, mas, para que admitir isso se a dor ensinou ele a ser solitário e a não confiar nas pessoas que, em sua maioria, não quer saber de quase nada que não seja de seu agrado?
House se “entope” de analgésicos, enquanto o mundo se afoga em hipocrisia. Eu o entendo, porque nos maus momentos da minha vida, nos momentos em que a dor me enfraqueceu, ninguém tentou me animar dizendo que eu estava sendo “forte” por estar de pé, todos sempre querem mais, esperam mais, para poder criticar e “mal julgar” mais. É a vida, é a realidade e saber disso talvez seja realmente doído e, o que é pior, totalmente irremediável, não é algo que piore a cada dia como a degeneração dos meus discos intravertebrais, é algo que estragado “desde sempre” e jamais irá melhorar ou mudar. Lamento admitir, mas citando o personagem: “Para que não o magoem, o melhor é fechar-se num calabouço e engolir a chave.”
Cláudia de Marchi
Passo Fundo, 14 de setembro de 2011.